Fórmulas de modéstia e majestade
Março 31, 2006
Autora:Maria Tereza de Queiroz Piacentini (*)
De
Campo Grande/MS escreve o leitor
O. M. de Araújo para perguntar o que é plural
majestático.
Em duas
palavras, é o emprego da 1ª pessoa do plural no lugar da 1ª pessoa do
singular. Significa dizer “(Nós) queremos manifestar nossa satisfação” em
vez de “(Eu) quero manifestar minha satisfação”.
Os antigos
reis de Portugal adotaram a fórmula “Nós, el-rei, fazemos saber...”
procurando, num estilo de modéstia, diminuir a distância que os separava
do povo. Até que no início do séc. XVI, com D. João III, aparece o
absolutismo real e a conseqüente mudança da fórmula para a 1ª pessoa: “Eu,
el-rei, faço saber que...” Entretanto os altos prelados da Igreja
continuavam a usar o pronome NÓS como um tratamento de humildade e
solidariedade com os fiéis. Só que, crescendo a Igreja em poder e bens
temporais, aquele plural começou a dar a impressão não de modéstia mas sim
de grandeza e majestade. Daí o nome “plural
majestático”.
Sua outra
denominação é “plural de modéstia”. Ainda o utilizam escritores, oradores
e políticos, que dessa forma pretendem fundir-se em simpatia com seus
leitores, ouvintes e correligionários, parecendo com eles compartilhar
suas idéias e afastando qualquer noção de importância pessoal, vaidade e
orgulho.
Mas veja
bem: não é necessário que numa correspondência formal ou num discurso o
redator tenha de usar a 1ª pessoa do plural para ‘não ficar mal’. De modo
algum Desde que ele esteja falando em seu próprio nome e não no de uma
coletividade ou da empresa como um todo, é natural que se expresse na
primeira pessoa do
singular:
Venho
transmitir-lhe meus
cumprimentos...
Solicito a
colaboração de
todos...
Recebam
os meus
agradecimentos...
Tenho a certeza
do seu
empenho...
Minha intenção é
dar o melhor de mim pela
comunidade...
Quando,
porém, prefere usar o plural majestático, o redator deve saber que verbos
e pronomes vão para o plural, mas os adjetivos permanecem no singular,
flexionando de acordo com a pessoa que fala ou a quem se referem.
Por exemplo:
Sejamos claro e sucinto (falou o
doutor).
O mestre
agradeceu dizendo: “Nós nos sentimos orgulhoso com esta
homenagem”.
Não
pretendemos ser vaidoso,
acreditem.
Estamos imunizada contra os ataques
solertes da oposição - bradou a deputada.
Claro que
quando o redator quer se referir também à coletividade, à instituição
junto, deve empregar todos os termos (verbos, pronomes e adjetivos) no
plural:
Nós nos
sentimos felizes com a lembrança do nosso
nome...
Não seremos
responsáveis pelas atitudes dos
concorrentes.
Estamos
cientes do ocorrido em nossas
instalações.
Sejamos pacientes e peçamos a Deus pelo melhor para o
Brasil.
Ainda é
possível, dentro de um mesmo discurso, ofício, tese, parecer etc., mesclar
parágrafos de 1ª pessoa do singular com outros de 1ª pessoa do plural,
dependendo da situação ou da realidade a ser destacada (pessoal ou
institucional).
Multi
O prefixo
MULTI está arrolado entre aqueles que se ligam diretamente ao substantivo
ou adjetivo, isto é, sem
hífen e sem deixar espaço. Porém é preciso estar atento a um detalhe: para
não desfigurar a pronúncia, dobra-se o S ou o R dos radicais iniciados com
essas letras, por exemplo: multi + setorial = multissetorial; multi
+ secular = multissecular; multi + racial = multirracial.
Outros
exemplos:
Foi
elogiado o multiatendimento
dispensado aos participantes da
Feira.
Eles prestam serviços a várias empresas
simultaneamente utilizando o sistema de multiusuário.
Cem
voluntários serão investigados por uma equipe multidisciplinar de
pesquisadores.
Multiempresas montaram
uma ousada multiestrutura para
atrair os turistas do Norte.
* Diretora do Instituto Euclides da Cunha e autora dos livros 'Só Vírgula', 'Só Palavras Compostas' e 'Língua Brasil – Crase, pronomes & curiosidades' - www.linguabrasil.com.br
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