Nasce a TV Record
A história da televisão aos poucos vai desaparecendo, infelizmente. Quando os professores de comunicação social dizem que estes meios são efêmeros, de vida curta, tem uma profunda razão. Só que, entre tombos e vitórias, existe uma pioneira da primeira década de história televisiva que resiste até hoje: a TV Record, o canal 7 de São Paulo. A Record, assim como a Cultura, a Bandeirantes e a Gazeta, se mantém em seu número original desde sua fundação, sendo que não passou nenhum canal nem antes, nem depois de nenhuma destas quatro.
Hoje temos uma emissora em ascensão, com seus 48 quase completos, já em caráter de rede (coisa que só aconteceu em 1990) e que, mesmo tendo passado por três donos, continua sendo respeitada pelo Brasil, como, talvez, a emissora existente mais antiga do país. E é sobre os primeiros anos desta "senhora" que falaremos aqui.
Apresentamos, logo em seguida...a TV Record!
A Organização Paulo Machado de Carvalho
Paulo Machado de Carvalho, que pouco entendia de radialismo (que se encantava com o meio e também achava viável economicamente se tornar parte dele) depositou com dificuldade 31 contos de réis em uma sociedade composta por ele, seu cunhado João Batista do Amaral, ao técnico de som Leonardo Jones Jr., a Jorge Alves Lima para comprar uma rádio de Álvaro Liberato de Macedo em 1931, conforme o "Almanaque da TV" , de Augusto Xavier. E a rádio possuía o mesmo nome da loja de discos de Álvaro Liberato: Record. Assim nascia a Rádio Record AM, que se situava na Praça da República, 15.
E começava a se criar a Organização Paulo Machado de Carvalho, quando o próprio inaugurou a Rádio Excelsior e comprou a Rádio Panamericana. Depois de muito tempo, no início da década de 60, a Rádio Excelsior seria vendida à Organização Victor Costa, que depois a repassaria às Organizações Globo quando comprada, dando origem a futura Rádio CBN. Machado de Carvalho, quando sentiu que a programação da Rádio Panamericana - conhecida pelas radionovelas como a Rádio São Paulo - não estava mais agradando tanto o público resolveu adotar uma nova linha de programação, tornando a Panamericana uma rádio totalmente esportiva e modificando seu nome para Rádio Jovem Pan.
A Jovem Pan era um projeto que espelhava um dos grandes gostos de seu dono: o esporte, principalmente o futebol. Invadindo a coluna do colega e amigo Luiz Fernando Bindi, relato que foi com o esforço e o apoio de Paulo Machado de Carvalho que Pelé entraria na seleção brasileira pela primeira vez, na Copa de 1958. O radialista foi chefe da delegação brasileira nos mundiais de 58 e 62, recebendo o apelido de "O Marechal da Vitória" e ganhando a fama de pé-quente da seleção. Foi presidente do São Paulo Futebol Clube duas vezes e em 1960 recebeu o maior dos elogios: o Estádio Municipal do Pacaembu foi rebatizado com seu nome, tornando-se Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho. Foi presidente de honra da CBF, da Federação Paulista de Futebol e um dos presidentes fundadores da ABERT (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão). Ganhou muitos títulos até sua morte, em março de 1992.
Bem, voltando agora a minha coluna...Foi com a criação do império dos Machado de Carvalho, que reunia depois em 1948 as Emissoras Unidas, onde também a Rádio Bandeirantes e a Rádio São Paulo faziam parte - vendidas no mesmo ano a João Jorge Saad. Depois as Unidas englobariam a TV Record, a TV Rio, propriedade do Machado de Carvalho e de seu sócio João Batista do Amaral, e a TV Alvorada de Brasília.
Ensaiando a entrada
Para Machado de Carvalho, no fim da década de 40, nascia o sonho de entrar no mercado televisivo. Depois de demonstrações do que era uma televisão, no Rio de Janeiro, Paulo Machado de Carvalho, Assis Chateaubriand e Victor Costa começavam a se organizar para entrada do novo meio no Brasil. Enquanto Victor Costa e Chateaubriand brigavam por que iria ser o pioneiro do Brasil, Machado de Carvalho ia aos poucos organizando suas idéias. Dizem até que Chateaubriand, através da ajuda do governo, aumentou o processo burocrático para concessões à O.V.C. (Organização Victor Costa), passando o pé na emissora. Talvez esta seja a causa da Tupi ter inaugurado um ano antes da Paulista e dois antes da Record.
As duas emissoras se improvisaram nas instalações de rádio, já Paulo Machado de Carvalho foi além do que todos esperavam: em 1948 começava a construção de um prédio só para a televisão. Aliás, foi o primeiro prédio destinado inteiramente ao meio no Brasil. Assim criava-se um dos prédios mais bem planejados da época, sendo que por anos foi tido como modelo perfeito de construção para a gramática televisiva. O prédio se localizava no bairro de Congonhas. Na Avenida Miruna, 713 ficava a entrada da diretoria e a dos funcionários na outra esquina, pela Avenida Moreira Guimarães, 1128. Em cima das duas entradas estão até hoje o primeiro símbolo da Record. Hoje o prédio ainda está na ativa, sendo utilizado pela Rede Mulher, propriedade do Grupo Record. A Record se transferiu para a Barra Funda, onde antes eram os estúdios da falida TV Jovem Pan.
A numeração do prédio já mostrava os planos de Machado de Carvalho, que no fim de novembro de 1950 conseguia a concessão da Record e anos depois a da TV Rio. E como a Record tinha o canal de número 7 e a Rio o 13, a idéia era mostrar as Emissoras Unidas até mesmo nas instalações, sendo assim, a entrada da diretoria tornaria-se 713 (7+13).
No início de 1953, a Record emitia sua transmissão experimental, trazendo o coral da Escola Normal Caetano de Campos e a orquestra da Força Pública de São Paulo para tocarem na emissora, já no prédio de Congonhas.
Paulo Machado de Carvalho queria o canal 7 e o 13 porque achavam ambos números cabalísticos. Estava tudo preparado... Logo entraria no ar, oficialmente, a TV Record.
A estréia
O jornal "O Estado de São Paulo", na manhã do dia 27 de setembro de 1953, chegava às bancas com uma matéria de página inteira, sob o título: "Entra no ar em São Paulo uma das maiores tevês do mundo". Era o primeiro passo para amendrontar as demais emissoras, que se baseavam no improviso, quando a Record já investia em novas formas de trabalho, além de estar com os equipamentos mais avançados da época - fator que causou impacto na imprensa. Logo passaria a TV Paulista, só no caso da Tupi só na década de 60 a Record ganharia o seu tão almejado posto. A ousadia dos Machado de Carvalho chegavam a causar medo, por menor que fosse, nas concorrentes de São Paulo.
Naquele mesmo dia, às 20 horas, a Record entrava no ar, com um show inaugural. Muitos dizem que o show foi comandando por Sônia Amaral e Hélio Ansaldo, mas a versão que mais se tem como oficial é a de que Blota Júnior e Sônia Ribeiro desceram uma grande escadaria e anunciaram:
- "Senhoras e senhores, está no ar a TV Record, canal 7"!
E seguiu-se um espetáculo musical, sendo que depois do prefixo da emissora, Blota Júnior discursou e deu seu lugar à um espetáculo, com Dorival Caymmi, Inezita Barroso, Isaura Garcia, Adoniran Barbosa, Randal Juliano, Pagano Sobrinho, a orquestra de Enrico Simonetti e dançarinos. Os filhos de Machado de Carvalho faziam parte dos funcionários da emissora ( Alfredo, Paulinho e Antônio Augusto Amaral - o "Tuta" Machado de Carvalho).
Primeiros anos
Já nos primeiros anos a emissora tornou-se líder de audiência em alguns horários, ao se dedicar à programas musicais como "Grandes Espetáculos União", com Blota Jr. e Sandra Amaral. Jornalismo e esporte foram também duas frentes pelas quais a Record seguiu: com o diário telejornal "Estado de São Paulo", o esportivo "Mesa Redonda" (com Geraldo José de Almeida e Raul Tabajara, a partir de 1954).
Sob às ordens de Paulo Machado de Carvalho, a emissora resolveu sair em campo e transmitir, ao vivo, partidas de futebol. Sua forma imbatível de transmissão, a tornou a primeira do gênero na época, transmitindo quase todos os acontecimentos esportivos em São Paulo, desde o Grande Prêmio de Turfe (foi a primeira a fazer esta transmissão, em 1956 - direto do Jóquei Clube do Rio de Janeiro) até as lutas de boxe.
A TV Record manteve a mesma linha de programação da Rádio Record, dando voz também aos cantores internacionais que vinham ao Brasil cantar nas emissoras de rádio e TV. Paulo Machado de Carvalho não errou: na linha de shows, tendo momentos marcantes ao apresentar artistas estrangeiros em seus palcos. Trouxeram ao Brasil músicos como Bill Halley e seus Cometas, Louis Armstrong, Marlene Dietrich, Sarah Vaughan, Nat King Cole, Charles Aznavour, entre outros. Até a hora que a Record viu a importância da Música Popular Brasileira em sua programação, exibia as atrações internacionais.
Todo dia 7, de cada mês, a Record fazia o seu "Show do Dia 7", um grande sucesso da emissora, que mesclava espetáculos, enquetes cômicas, desfiles de moda, musiciais e entrevistas.
E a Record não deixou de investir no teatro e no humor, os pontos fortes da TV Paulista. E foi assim, que contratou todo elenco do "Circo do Arrelia", com o palhaço Arrelia e seu sobrinho Pimentinha e a "Praça da Alegria", de Manoel da Nóbrega. Foi desta forma que a TV Paulista se afundou mais ainda, enquanto a Tupi e a Record cresciam.
A Tupi criava novelas que iam ao ar às terças e quintas. Foi assim também que a Record iniciou as suas, sendo "Éramos Seis" o seu primeiro grande sucesso. Sendo a Record a primeira a fazer as adaptação do livro da Maria José Dupré, que depois ganhou mais três versões.
E foi nesta década de 50, que estreava na Record "A Hora do Chacrinha", com o Velho Guerreiro; o seriado "Capitão 7", com Ayres Campos; a "Grande Ginkana Kibon", com Vicente Leporace; o infantil "Pullman Jr.", com Cidinha Campos e Durval de Souza (que por 16 anos ficou no ar).
A Record consagrou suas garotas propagandas, entre elas Idalina de Oliveira, Clarisse Amaral (que depois teria seu programa na TV Gazeta), Lucy Reis (à direita, a garota-propaganda Lucy Reis, ao lado de uma cúpula da TV Record, com o primeiro símbolo da emissora. Arquivo Centro Cultural São Paulo (1958).) , entre outras.
E os artistas também ficaram consagrados com o famoso "Troféu Roquette Pinto", que tinha um papagaio como seu símbolo, premiando profissionais de todas as emissoras de São Paulo, não só os da Record.
A primeira transmissão interestadual de um jogo de futebol foi uma aventura digna dos filmes de western. Os técnicos da TV Record enfrentaram lama e contaram com a ajuda do lombo de burros para instalar microondas no topo de morros no Vale do Paraíba, com telas de galinheiro. Até esse dia, o sinal de TV nunca tinha ultrapassado um raio de sessenta quilômetros em torno das cidades que tinham estações. A primeira imagem foi do locutor esportivo Silvio Luiz passeando pelo calçadão de Ipanema.
Um dos símbolos da Record era o simpático tigrezinho da emissora, que era símbolo da rádio. Houve uma época que o próprio era símbolo do canal 7. Famosa é uma vinheta (clique aqui) onde o tigre, dentro de um trenzinho maria-fumaça, aciona o apito e produtos a vinheta (ao fundo barulho da máquina):
" - (apitos)...Canal seteee!... Se você quer ser sempre o melhor, seja Recooord..."
Um grande passo para emissora, no fim da década de 50 (precisamente em 9 de março de 1959) foi a inauguração do Teatro Record da Rua da Consolação, com o cantor norte-americano Roy Hamilton. E foi a partir destes teatros que nasceram os "Grandes Festivais da Record", que trataremos em outra coluna... Especialmente para você!
TV Leitor
- O leitor Edmundo, após ler minha coluna sobre o Repórter Esso, lembrou-se do avô, homônimo do primeiro de São Paulo, o repórter Kalil Filho. No caso, Edmundo, com certeza não poderia ser o mesmo, já que Kalil Filho morreu há décadas, de acidente de carro. Mesmo assim daremos o seu recado: "Eu procuro meu avô Kalil Filho, que foi casado com Glória Kalil. Acho que foi prefeito de Guarujá, deputado federal e teve 2 filhos. Acho que ele não quer ser encontrado. (...) Era dono da Rentel, nasceu em Niterói e veio pra São Paulo." Se alguém possuir informações sobre o paradeiro do avô do Edmundo, me mande uma mensagem, pois passarei o telefone do nosso leitor. Desejamos à você, Edmundo, boa sorte e que consiga encontrar o seu avô!
- Sobre a coluna da Hebe, os leitores mandaram seus comentários e dividiram-se as opinião igualmente: alguns elogiaram Hebe depois dela ter começado a falar de política no ar, outros reclamam e falam que ela é muito parcial e que não deve ser tachada como a "defensora dos povo" por apoiar o Maluf, que ultimamente esta na lista negra de muita gente em nossa cidade. Continuam opinando... Esse tema causa muita polêmica, já que Hebe é uma pessoa que se tornou pública ao máximo.
- Ao colega Luiz Fernando Bindi, apóio a idéia de escrever colunas sobre as pessoas que realmente trabalham mais pelo povo, de verdade e sem demagogia, como, por exemplo, o Movimento GNT Cidadania. É duro ver os apresentadores todos mais chiques possíveis defenderem os pobres. Acredito até que uns defendam, mas há outros que não enganam nem eu, nem ninguém. Ao Bindi ainda: você antecipou a idéia que viria em uma das próximas colunas, mas mesmo respondo sua pergunta: Chaves vem aí, na "Televisão" do Sampa On Line. Aguarde!
- A leitora e estudante Erika Tanioka pergunta se possuo mais informações sobre o Repórter Esso, quando veiculado na rádio. Ela está fazendo um trabalho de pesquisa sobre este assunto. Existe uma série, Erika, que não me recordo onde poderia encontrá-la, com todas as gravações do Repórter Esso do rádio. Há dois lugares que você pode encontrar informações sobre o Repórter Esso: no Museu de Imagem e Som de São Paulo e no do Rio de Janeiro (neste último principalmente). Na site NetHistória você poderá encontrar informações sobre o Repórter Esso do rádio também. Um livro que indico e que possui muitos dados sobre a rádio no Brasil e até mesmo sobre o Repórter Esso é o "Histórias que o Rádio Não Contou", de Reynaldo C. Tavares (Editora Harbra - vem acompanhado de dois CDs de áudio e é muito utilizado pelas faculdades de comunicação). Vale a pena o livro. Se conseguir maiores informações, te mando em breve. Um nome essencial que deve pesquisar é o de Heron Domingues, que veio do rádio como Repórter Esso e ocupou o mesmo cargo na TV.
- Dedico esta coluna ao locutor esportivo Silvio Luiz, que foi um dos grandes símbolos da Record na década de 50 e 60. Tanto nas locuções esportivas, como repórter de campo (correndo atrás dos jogadores), como sendo ator da Record, ao fazer um dos filhos de Dona Lola na primeira versão de "Éramos Seis", no canal 7.
Até a nossa próxima atração, pessoal!
Imagens
Propaganda do Ring Musical, da Rádio Record, comprovando que desde a época do rádio a Record valorizava as atrações musicais. Arquivos Folha de São Paulo (23 de agosto de 1948).
Fachada da primeira sede da Record - Av. Miruna, 713, com o primeiro símbolo da emissora. Divulgação Rede Record.
-Slide dos intervalos comerciais da TV Record, nos seus primeiros anos de vida. Década de 50. Divulgação Rede Record.
Recriação da vinheta do tigre da Record. Arquivo Canal 1 (2000).
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