Comunicação
por Elmo Francfort Ankerkrone
Março 30, 2001

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Estórias sem fim

"- Acabou?" - Com certeza você, brasileira, com menos ou mais de cinquenta anos já deve ter presenciado estas "estórias sem fim"...Se não presenciou, já deve ter ouvido falar de alguma de nossa televisão. Quantos especiais, novelas, séries iriam para o ar e não foram. Não por motivos de censura (alguma até sim!). Mas as que aqui citarei são justamente por causas inesperadas. Aqui vai uma recordação de fiascos e "mentiras", que a TV contou. Em alguns até me baseei no livro Almanaque da TV, do Rixa - produtor do Video Show - , só que lá está de forma resumida e aqui estou as explicando mais detalhadamente.

A novela do ovo frito

Falaremos agora da novela Como Salvar Meu Casamento, da Rede Tupi, cujo tema de abertura era a música Cotidiano, de Chico Buarque ("Todo dia ela faz tudo sempre igual, me acorda às seis horas da manhã..."). Nesta mesma abertura, passava a cena da mulher fazendo ovo frito na frigideira e depois colocava no prato de seu marido, ele o comia e logo em seguida, acendia um cigarro e apagava a bituca no prato mesmo, com o ovo frito ao lado das cinzas. (à direita, cena da novela "Como Salvar Meu Casamento", da Rede Tupi. Foto de Paulo Salomão / Abril. Publicada na Revista Contigo!, edição especial de 50 anos de TV - 29 de setembro de 2000).

Foram 140 capítulos exibidos em sete meses pela Rede Tupi até a novela sair do ar em fevereiro de 1980, sem contar ao público seu final. Isto porque faltava somente 20 capítulos para novela acabar. Atuavam nesta um grande elenco das Associadas. Nos papéis principais estavam Adriano Reis, Nicete Bruno e Beth Goulart, fazendo a filha do casal.

Se a Tupi tivesse continuado e não falido, talvez esta novela estaria marcada não como a novela que não terminou, mas sim a novela em que pela primeira vez mãe e filha fariam estes respectivos papéis na ficção também, já que foi a primeira vez que isto aconteceu, tendo Nicete contracenando com a filha Beth. Seria um título que não caberia a Regina e Gabriela Duarte, que nas novelas globais "Top Model" e "Por Amor" foram mãe e filha.

Uma trama de sorte

Nesta mesma época, a Rede Tupi colocava no ar mais uma novela Drácula, que após três capítulos saía do ar, tirando o gosto do telespectador de assisti-la.

Só que esta teve um final feliz. A Bandeirantes conhecia bem o amor que os telespectadores tinham pela Rede Tupi e foi utilizando deste recurso que atraiu mais ainda o público do antigo canal 4 para assistir suas novelas. O núcleo de teledramaturgia da Rede Bandeirantes,herança direta da dramaturgia da Tupi, crescia aos poucos e foi com a volta de "Drácula" que ganhou a atenção dos "órfãos da Tupi". A fórmula não era igual, utilizaram o mesmo roteiro da trama, só que com nova interpretação, recomeçaram do zero a novela e rebatizaram-na com o nome Um Homem Muito Especial. É o único menor remake da televisão brasileira, com 3 capítulos! Não é incrível?

O Marajá de Brasília

A Manchete parecia que pedia para ser censurada...E foi! Em 1992, em plena época de CPIs presidencias em pró do Impeachment de Collor, a Rede Manchete resolve colocar no ar a novela O Marajá, uma biografia não autorizada do presidente Fernando Collor de Mello.

Lembro-me de assistir ao dia da estréia que não aconteceu. Os atores comemoravam no saguão do prédio da Rua Russel (Rio de Janeiro) a festa de estréia da novela. Atores falavam da importância da trama. De repente um dos diretores falam que a presidência mandou um boletim informando que não devia entrar no ar a novela. Só que a Manchete passou por cima da lei e continuou a festa. Chegou outro boletim informando que a novela estava censurada e que iriam lacrar o sinal da emissora se ela não desistisse do feito. Colocaram no ar, em letras amarelas e fundo azul uma proibição governamental da novela. Mais tarde a emissora voltava ao ar, na mesma festa, com os atores indignados com a proibição.

A Manchete assim marcava a história, querendo passar por cima do governo. Era uma época importante, onde a democracia e a justiça estavam em voga. Tempos depois Fernando Collor de Mello sofreu o Impeachment e Itamar Franco assumiu o governo... Enquanto isto a Manchete, mesmo censurada continuava no ar, sabendo que foi novamente uma grande pedra no sapato de alguém... Era uma especialidade da emissora.

Nem a Globo escapou

É mesmo, nem a primeiríssima em audiência escapou desta caveira de burro. Iria ao ar em 1998 os episódios da série As Tias de Mauro, baseado na peça e na obra homônima de Mauro Rasi. Eram quatro tias: Nair Belo, Berta Loran, Dirce Migliaccio e uma loira alta (que não me recordo o nome). Aos poucos foram anunciando a estréia da série... Ao passar das semanas, começou a diminuir o número de vinhetas da série. Um tempo depois sumiu completamente as vinhetas...E boom! Sem idéia do porquê do sumiço e da dexistência da série, a Globo não contou a ninguém o que aconteceu. Certamente não foi por causa de censura, já que o que falavam da série era uma descrição de uma ficção amena e cômica. Ninguém entendeu... O que foi que aconteceu?

Enfartando Paulo Coelho

Paulo Coelho certa vez disse que não estava gostando da trama que a Manchete fazia baseada em sua obra Brida. Dizia que não ficava mais nos ensaios, porque um escritor sempre acaba meio frustrado com uma adaptação de sua obra, já que a visão do diretor não é a mesma do que a dele, quando a compôs. Evitava isto. E parece que Paulo Coelho jogou uma "bruxaria" nesta mística novela. (À direita, logotipo na abertura da novela "Brida", Rede Manchete. Arquivo Bloch Som & Imagem, 1998).

A novela começou no fim do primeiro semestre de 1998. A trilha de abertura era um arranjo muito bem feito em cima da música Gita, de Raul Seixas ("Eu sou a luz das estrelaaaaasss, eu sou a luz do Luar..."), cujo compositor era o próprio Paulo Coelho. A abertura era impressionante! Símbolos místicos saíam de um rio azulado, que passava por debaixo da tela, aí eles iam se alternando e mudando de um símbolo para outro e subindo aos céus, numa textura mercúrio! Era muito bonito o visual desta abertura, sempre guardarei elogios a esta - parece até que a atual novela das seis (da Globo), a "Estrela Guia", se baseou no mesmo princípio de Brida para fazer sua abertura... É muito semelhante aquela passagem de símbolos -; lembro-me que ao final de uma seqüência de símbolos a lua e a estrela se transformavam no nome Brida e a música acabava com uma mulher falando fininho o nome: "Briiiiidaaaaaaaaa..." Só isto que eu não gostava da abertura.

Com Carolina Kasting (Brida), Leonardo Vieira (o galã Lorens), Rubens de Falco (Bruxo Vargas), Ludmila Guinle (assistente do bruxo), Tânia Alves, entre tantos outros grandes nomes, a novela afundou a Rede Manchete e foi o principal sinal de que a situação do canal estava indo de mal à pior.

Mais irônico de tudo, na abertura, é que no tema Xita existe uma parte que diz: "Eu sou o início, o fim e o meiooooo...". Parece que até precisavam dar um final justo a novela pra que pelo menos a música tivesse um nexo!

Com o elenco todo não querendo acabar a novela, coube aos editores de imagem da Manchete e ao âncora do jornalismo Augusto Xavier dar um final a novela. Isto porque ele já havia entrado como ator no meio da novela (quem sabe pra cortar gastos na produção...). E ele, no dia 23 de outubro de 1998 encerrou a novela, de uma hora para outra, narrando o futuro dos personagens e dizendo como as coisas acabaram com todos. Ao fundo, enquanto Xavier fazia a narração, foi feita uma edição bem feita com imagens dos capítulos já exibidos da novela. E ninguém entendeu nada. Não entendiam como tinha acabado a trama de uma hora para outra, sem aviso.

A Manchete, uma emissora que fez seu primeiro grande sucesso com Dona Beija, uma grande minissérie com caráter quase de novela, acabava agora seu núcleo de teledramaturgia fazendo uma novela com desfecho e com duração de uma minissérie.

E foi, carregando seu maior troféu que a emissora encerrou suas transmissões. Uma semana depois de "falir" Brida, a Manchete colocou pela quarta vez no ar a novela Pantanal, que sempre rendeu-lhe uma boa audiência. Só que achavam que poderiam ainda salvar a emissora da falência. Só que Pantanal, pela primeira vez, numa mesma década, não conseguiria salvar um jogo perdido. As dívidas se acumulavam e a Manchete teria que encerrar sua programação naquele mês de maio de 1999.

E Pantanal foi além do que o esperado, de maio à início de novembro de 1999, antes da RedeTV! entrar no ar com sua programação, a programação antiga ainda rolava no ar. Pantanal então estava sendo exibido por um canal sem nome, que ocupava a faixa número 9 na ordem dos canais. Louco isto, né? Lembro-me de ver a programação da Manchete, digo, do canal sem nome, até a entrada da RedeTV! Numa partida de tênis eles falavam qualquer coisa, menos Manchete. Até "canal do tênis" eles chamaram, já que foi a Manchete que descobriu Guga pela primeira vez.

E quando entrou no ar o logotipo TV!, antes mesmo de surgir a RedeTV! era o sinal que acabava ali uma história de 16 anos de sucessos. Da Rede Manchete, a "TV do Ano 2000", que nem chegou a este ano - esta foi a maior ironia que o futuro pregou na emissora.

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