Televisão
por Elmo Francfort Ankerkrone
Outubro 19, 2001
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Como analisar a história da TV? 

Esta coluna, até agora, mostrou um "prospecto" detalhado sobre a história da televisão brasileira. Mostramos uma televisão que foi movida pelo improviso, uma TV que encontrou seu profissionalismo e amadurece, um grande número de emissoras que conheceram o sentido da concorrência, do IBOPE, dos gêneros televisivos e souberam o que é ter qualidade ou não. 

Meu intuito não é estudar e fazer com que "aprendam" a assistir televisão. Mas sim analisar se aquilo que você assiste é mesmo o que você deseja assistir e se o que gosta é novo ou não, original ou não. Nossa missão é manter todos informados e sempre antenados no meio. Vamos ver aqui alguns fatores que abordamos nestas primeiras colunas e que vale a pena revê-los. 

Líder de audiência 

- "Ao vencedor às batatas..." (Quincas Borba, no livro homônimo de Machado de Assis). 

Mostramos nesta parte que quem conta a história é o vencedor, o líder em audiência. Pois para os que até hoje acreditam que a Globo sempre reinou desde o início na primeira posição, aqui refletiremos sobre o que apresentamos nas colunas anteriores: o outro lado da moeda. 

Na década de 50 a grande líder em audiência foi sem dúvida o canal 3 (que tornou-se depois 4) Rede Tupi, inicialmente PRF-3 TV Tupy-Difusora, dos Diários Associados. O seu mérito de ser a primeira do país, a pioneira da América Latina (apesar que dizem que o México foi o primeiro dos países latinos a ter TV) e a que começou a popularizar o meio televisivo no país fez com que na maioria de seus horários ela fosse a líder. A TV Paulista e a TV Record brigavam entre si. Digamos que o que acontece hoje com a Globo e os demais canais acontecia na época. A Tupi chegava a perder muitos pontos para algumas atrações de ambas, mas é importante ressaltar que a Tupi segurou e muito os seus profissionais, enquanto a Record e a Paulista iam se matando até conseguir que o programa de uma se transferi-se para outra. "A Praça da Alegria" e o "Circo do Arrelia" são dois exemplos desta luta, que foram levados da TV Paulista para a Record. E a Tupi, assim como a Globo de hoje, pegava os profissionais que mais se destacavam nas outras emissoras, como o caso do diretor de TV Antonino Seabra, da Paulista. A única vez que a Tupi foi desafiada com firmeza foi quando Victor Costa assumiu a TV Paulista e contratou boa parte do elenco da TV Tupi, produzindo programas como "O Mundo É das Mulheres", com Hebe Camargo, Lia de Aguiar, Wilma Bentivegna, Walter Foster, entre outros profissionais. Mas logo sua programação foi retalhada e a TV Paulista foi entrando em decadência (mais ainda depois da morte de Victor Costa). A TV Cultura desta época podemos vê-la de forma fraca, só pelo aspecto de "pequena irmã" da Tupi, uma cópia de menor qualidade e cuidado. É a fase da criação. 

Na década de 60 surge a TV Excelsior... e que emissora, hein! Com alta qualidade e criando padrões de programação vertical e horizontal, além da pontualidade nos horários começa a desequilibrar os outros canais. Separa de vez a "TV do improviso" e a "TV do profissionalismo". E a Excelsior inova até mesmo na programação visual do canal, com seus bonequinhos e vinhetas modernas, como também no seu apurado setor de publicidade. Nasce uma constante publicidade televisiva em outdoors nas ruas de São Paulo, promovendo suas tramas, seus programas e atores. Começa assim a idolatria aos astros da televisão. E imortaliza todos com a criação de uma forte e complexa teledramaturgia diária. Através destes meios conquista o status de "a melhor emissora de São Paulo". Indo contra os tradicionais telespectadores da Tupi. Começa a dividir o público e brigar pela audiência. Consegue ensinar ao meio televisivo a arte de convencer os outros de que o melhor do meio era a sua programação. É como se dissessem que tudo que você assiste hoje tenha sido criado por ela e que o ontem eclodiu em sua criação. É como se tudo girasse em torno de sua história. Neste meio tempo o video-tape e a formação em rede começam a surgir. A Excelsior bagunça todo o meio... Tupi e Record começam a ter problemas... A TV Paulista nem se fala... A Cultura é vendida pelos Diários Associados nesse meio tempo e torna-se a primeira TV educativa do país, em 1970 - propriedade da Fundação Padre Anchieta. Nasce em 1967 a TV Bandeirantes, que aparentemente iria causar grande estrago às demais, já que demorou mais de uma década para ser planejada, com todo cuidado possível. O diretor de TV Daniel filho fala em seu mais novo livro, "Circo Eletrônico na TV" que a Bandeirantes nasceu para ser grande, mais até hoje não se deu conta disto.

A história do telejornal é complicada e mais complexa ao falarmos sobre a qualidade de suas diversas manifestações, o que farei durante os artigos sobre o tema. 

Em 1965 surge no Rio de Janeiro uma pequena emissora, já equipada com video-tape chamada TV Globo. Aos poucos, quando menos imaginam os paulistanos, a tradicional emissora TV Paulista passa por uma metamorfose, muda de nome e estilo. Aos poucos começava desta forma a nascer a Rede Globo. Todas as citações sobre a O.V.C (Organizações Victor Costa) desaparecem e surgem na tela reclames sobre a TV Globo Paulista, propriedade de uma tal Organizações Globo. 

A depressão da Excelsior faz com que seu "padrão de qualidade" caia e decrete a falência em 1970. A boa aluna Rede Globo aprende o que precisava com a emissora e até contrata seus profissionais. E a sua marcha de 1965 até 1969 faz com que a Globo comece a conquistar um grande espaço (até mesmo os Grandes Festivais da Record, de grande sucesso na década de 60, foram absorvidos pela crescente Globo). A década de 70 é o ponto crucial para que ela estabeleça um "padrão de qualidade" (se deve e muito ao esforço da dupla "Boni & Clark") como a Excelsior e faça com que a história televisiva rode em torno de si. O resto já sabemos no que deu, não? 

É importante sabermos se o que você contesta hoje na televisão você está mesmo contestando ou você está seguindo a idéia de uma emissora. O que é bom é mesmo tão bom assim? O que é mal é tão mal assim também? 

Conhecendo os lados 

Apóio e muito o profissionalismo global, mas não deixo de lado o profissionalismo das demais. Não podemos julgar uma por todas. Não podemos julgar uma emissora por um programa. "Programa do Ratinho" é SBT, da mesma forma que o "Jornal do SBT". Gazeta é "Programa do Mallandro" da mesma forma que é "Em Questão", com Maria Lídia. Band é "Superpositivo", mas também é "Dia Dia", com Olga Bongiovanni. Globo é "Zorra Total" e é o "Jornal Nacional" também...Record é "Fala Que Eu Te Escuto" e ao mesmo tempo é "Jornal da Record", com Bóris Casoy. Entendem onde quero chegar? É mesmo que falar que a TV aberta é uma porcaria, sendo que o telespectador apenas vê a TV por assinatura. É o mesmo que dizer que a TV brasileira é uma droga, sem qualidade, se só vermos séries e programas americanos importados e dublados em nossa televisão. 

O problema é ver a televisão sem saber que TV está vendo. O Brasil adora se apropriar de alguns programas internacionais, mas não é o mesmo que o deles, por mais parecido que seja. O brasileiro tem a capacidade de transformar os programas num jeito nacional de se fazer TV. Um padrão nosso. 

É impossível comparar um "No Limite" com o Survivor, um "Who Wants To Be A Millionaire" com um "Show do Milhão". Mesmo sabendo que um inspirou o outro. Mas o jeitinho brasileiro impera. A presença de espírito de Sílvio e a tradição do mesmo na TV dá uma outra cara. Os atores, o modo de dirigir, tudo fazem a diferença e mostram o que é um produto internacional "abrasileirado", mas bem nacionalizado. "Pícara Sonhadora" é bem diferente de "Pícara Soñadora" da Televisa. Por mais idêntico que possa ser os roteiros e mesmo estando com um diretor da Televisiva fiscalizando a produção do SBT. 

Não acha fácil falar que Jô Soares pegou o molde de "Jô Soares Onze e Meia" (SBT) e "Programa do Jô" (Globo) do americano "David Letterman Show" (passa no canal GNT, da Globosat)? O cenário eu até acredito que sim, até mesmo um pouco do estilo de apresentar seu programa. Mas Jô não nega e afirma que teve boas raízes em um produto nacional, mais antigo que o programa do David Letterman. Falamos do pioneiro apresentador Silveira Sampaio, que apresentou o primeiro "talk-show" da TV brasileira, o "Bate Papo com Silveira Sampaio". O programa nasceu no rádio e depois tornou-se programa pela TV Paulista e depois pela TV Record, bem no comecinho de ambas. Silveira Sampaio tinha até um quadro que falava ao telefone com alguém famoso, fazendo um "talk-show" audio e visual ao mesmo tempo. 

Depois de mostrar esses exemplos, podemos concluir porque os psicólogos dizem que é preciso conhecer melhor o nosso mundo para melhor nos entendermos. Precisamos conhecer o que acham de nós e o que achamos de nós mesmos para sabermos ao certo quem somos. O mesmo acontece com a televisão, que sofre bem mais influências do que nós. Digo, será mesmo que recebemos menos influências?

Qualidade é educativa? 

Por um lado sim. Qualidade acaba nos ensinando coisas boas para explorarmos no meio televisivo. Há casos de há qualidade em parte, mas que não se trata de algo tão abrangente e total numa produção. É como se produzissem um show com efeitos especiais, cenários magníficos, uma equipe técnica de primeira, um cuidado visual impecável, mas com uma banda sem voz. Um ponto chave que acaba atrapalhando as coisas. Muita gente critica a "eterna" novela "Malhação" da Globo, ao dizer que a produção é muito boa, só que boa parte dos artistas não são o que todos gostariam. Mas temos que ver por um lado e por outro. Um lado podemos colocar a prova de que "Malhação" é usada como um laboratório de atores da Globo e que quem se destaca bastante lá, acaba indo para outras novelas. Já por outro lado, há o "fenômeno do rostinho bonito". A mesma crítica aconteceu no início de "Terra Nostra" quando julgaram Matheo (Tiago Lacerda) e Giuliana (Ana Paula Arosio) como belos atores, que haviam esquecido do que era interpretar. O caso do cigano Igor (Ricardo Macchi), de "Explode Coração" nem se fala... Nem o caso de Paulo Zulu. A imprensa caiu em cima mesmo. 

Público-alvo existe para tudo. E o programa na linha popular e sensacionalista também tem seu segmento. Mas já vem ocorrendo uma conscientização dos mesmos pela qualidade em seu segmento. "Cidade Alerta" resolveu citar, mas não colocar mais imagens dos locais dos crimes, com sangue ou o corpo de alguma vítima. Não diminui o programa fazendo isto, mas acrescenta qualidade. Mostra um lado radiofônico dentro da televisão. A arte de descrever, sem mostrar. 

Agora voltando a falar na confusão que o pessoal faz dizendo que o é de qualidade é educativo, falando que o que presta na TV brasileira são só programas da TV Cultura, da TVE / Rede Brasil e da STV (TV Sesc-Senac), TV Futura, entre outras emissoras de caráter educativo. Pelos exemplos que disse aqui anteriormente neste item, fica claro o que é qualidade e que o educativo é dotado desta. Muitos dizem que é uma visão elitista dizer que o que é educativo é o que possui qualidade. Uma coisa é bem diferente da outras, mesmo que as duas se cruzem. Um exemplo que muitos adultos brigaram, desvinculando um programa educativo de um programa de qualidade, foi o caso dos Teletubbies, de uma TV educativa inglesa. Que para muitos eram um programa educativo que tentava ensinar e que possuía cuidados com seus cenários, efeitos e equipe técnica, mas que no roteiro não garantiam qualidade. Depende muito do ponto de vista de cada um... Mas também considero que um "Sítio do Picapau Amarelo" ensina bem mais uma criança do que um Teletubbies. E além de tudo, o "Sítio" ainda tem um jeito todo brasileiro de demonstrar o mundo às nossas crianças. 

E aqui apresentamos esta síntese, sobre muitos pontos que farão com que analisem melhor nossa televisão. E quem sabe também, de um modo mais abrangente possam avaliar também minha coluna daqui para frente. Vou ficando por aqui. Semana que vem estaremos de volta! Fiquem sempre de "olho no lance"! Até a próxima atração! 

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